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Música

Unidos pela fama.

Texto escrito para o site. Junho de 2023.

Era uma noite daquelas! Uma festa animadíssima na mansão de ninguém menos que Elizabeth Taylor, em Los Angeles. A festa estava cheia de celebridades, artistas do cinema e da música. Um dos convidados era David Bowie, que saía despreocupado do banheiro limpando o nariz. No mesmo instante, uma certa exaltação se formou entre os convidados. É que John Lennon acabara de chegar, acompanhado de uma turma barulhenta, entre eles o baterista Keith Moon, do The Who. Quando Bowie viu John Lennon passar pela porta da sala, tomou um susto e, num impulso, voltou para o banheiro e trancou a porta. Olhando no espelho, Bowie se lembrou de quando tinha 19 anos de idade e vivia em Londres.  O ano era 1966 e ele, ainda conhecido como David Jones, estava num pub qualquer bebendo num fim de noite, quando começou uma discussão no balcão. Um velho visivelmente bêbado gritava “Vocês não deviam falar assim comigo! Vocês não sabem quem eu sou! Meu filho acabou de ganhar uma medalha da Rainha! Meu filho é a porra de um dos Beatles, seus desgraçados!” Antes de ser enxotado do bar, David teve uma breve conversa com aquele senhor. Fez algumas perguntas pra ter certeza que ele era quem dizia ser. De fato, aquele era Alfred Lennon, pai de John. Enquanto o velho se preparava para ir embora, David disse: “É um prazer conhece-lo, senhor. Eu sonho em um dia poder conhecer pessoalmente seu filho também.” Bêbado e mau humorado, Alfred murmurou enquanto andava porta afora. “Claro. Claro… quem sabe um dia. Vai sonhando, garoto.”.

De volta a festa, em fevereiro de 1974, Bowie estava no banheiro olhando no espelho com suas memórias e seu amor pelos Beatles rodopiando em sua cabeça. “Eu vou conhecer John Lennon.” Disse Bowie olhando para si mesmo no espelho. Rapidamente enfileirou uma quantidade de cocaína na pia, cheirou, respirou fundo, arrumou o cabelo e saiu do banheiro. Logo que saiu do banheiro, a anfitriã e amiga Elizabeth Taylor o pegou pela mão e foi puxando apressada até parar na frente de Lennon. Liz Taylor apresentou os dois. John estava numa boa, foi simpático, mas Bowie estava apavorado. Quase gaguejando, disse algo como “É um prazer conhece-lo sou um grande fã. Tenho todos os discos dos Beatles e de sua carreira solo… agora com licença, preciso ir a um lugar…” E saiu. Se ele realmente foi embora da festa ou ficou escondido em algum cômodo da casa, evitando a presença de Lennon, ninguém sabe direito. Mas foi realmente embaraçoso.

Antes de continuar a história, vale a pena contextualizar o que se passava naquela época, o começo do ano de 1974. David Bowie era considerado um dos maiores artista de rock. Dois anos antes, em 1972, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars transformou Bowie num fenômeno mundial. Na sequência, Alladin Sane também foi um sucesso avassalador. Naquele começo de 1974, ele estava finalizando a gravação de Diamond Dogs, outro disco clássico, e tentava se reinventar, tendo, na turnê anterior, já “matado” o personagem Ziggy Stardust, inclusive. Do lado de John Lennon, também era tempo de mudanças e muita loucura. John vivia o que ficou conhecido como Fim de Semana Perdido. Um fim de semana que durou de outubro de 1973 a fevereiro de 1975, em que John ficou separado de Yoko Ono e caiu na esbórnia com uma voracidade ímpar. Ele tinha acabado de se mudar de New York para Los Angeles, onde ia a shows de amigos como Elton John e Eric Clapton e enchia a cara em jantares de gala e bares refinados com Keith Moon e Ringo Starr (que também estava solteiro e morando em LA na época). Tudo era festa!

Em março de 1974 é lançado o disco Diamond Dogs, que se torna sucesso imediato, puxado pelo hit Rebel Rebel. Mal Diamond Dogs foi lançado, Bowie já estava trabalhando na pré produção de seu próximo disco. Na onda de querer se reinventar, acabou convocando o produtor Tony Visconti, que tinha uma cabeça arejada e era ligado aos novos sons da música black e disco. Juntou-se ao time o excelente guitarrista Carlos Alomar, que seria parceiro de Bowie por década depois. Quando estava idealizando o disco que viria a ser Young Americans, Bowie teve a ideia de fazer uma versão de Across the Universe para incluir no repertório do disco, uma composição de Lennon, gravada no disco Leit It Be. Além de ser uma excelente música, Bowie viu a oportunidade de voltar a falar com Lennon, e tirar a má impressão que ficou na festa da Liz Taylor. Dessa vez foi Tony Visconti, que já conhecia John Lennon, quem intermediou o encontro. Bowie disse que queria pedir a autorização de John Lennon pessoalmente, para gravar Across the Universe, e pediu para Tony marcar o encontro.  John foi até a suíte do hotel onde Bowie estava hospedado, em junho de 1974. Lá chegando, John foi recebido com animação, mas Bowie estava visivelmente nervoso e ficou sentado num canto rabiscando qualquer coisa num bloco de papel, enquanto John e Tony jogavam conversa fora. Depois de mais de uma hora, John se senta ao lado de Bowie, pede uma folha de papel e um lápis e faz um desenho, uma caricatura de Bowie. Bowie responde fazendo uma caricatura de Lennon… os dois riem, o gelo é quebrado e eles desatam a conversar. E falam por horas.

 Depois desse encontro, Bowie e Lennon passam a se falar com frequência. Cria-se uma amizade. Em janeiro de 1975 as gravações de Young Americans estavam avançadas. Para gravar Across the Universe, Bowie convidou John Lennon para fazer uma participação.  John topou e foi até o estúdio, onde gravou guitarra para a música. Depois da gravação, os dois ficaram no estúdio batendo papo. A conversa girou em torno de como os dois lidavam com a fama, enfatizando seu lado mais amargo e incômodo. Já que estavam num estúdio, depois de muito conversar, resolveram fazer um som, só pra relaxar. Carlos Alomar, que estava ali junto o tempo todo, participou da jam session. E foi Alomar que criou de improviso um riff de guitarra que passou a ser desenvolvido. Ali mesmo, Lennon e Bowie escreveram a letra e criaram a estrutura da música Fame, que acabaria incluída no disco.

Young Americans foi lançado em março 1975 com grande sucesso. A amizade de Bowie e Lennon foi se estreitando cada vez mais, ao ponto até de John dar uns toques a Bowie que ele poderia estar sendo passado pra trás pelo seu empresário da época. De fato, descobriu-se mais tade que Tony Defries, empresário de Bowie, ganhava umas comissões por fora e tirava uma graninha aqui e ali, sem repassar nada para o artista. Bowie, tendo sido aconselhado por Lennon, demitiu Defries em dezembro de 1975. Outro momento curioso envolvendo a dupla aconteceu em 1977. Naquele ano, Bowie vivia grudado a Iggy Pop. Os dois fizeram uma temporada de shows no Japão e estavam voltando para Berlim, onde moravam na época. O voo entre Tokyo e Berlim em que eles estavam fez uma escala em Hong Kong, No aeroporto da cidade chinesa, Bowie foi informado que John estava na cidade, também numa escala. John embarcaria justamente para Tokyo naquela noite, para se encontrar com Yoko Ono. Sabendo disso, alguns telefonemas foram feitos e Bowie não seguiu viagem, para poder se encontrar com John. Iggy Pop seguiu sozinho para Berlim naquela tarde. Nessa mesma John e Bowie se encontram e saem para fazer uma caminhada pelas ruas de Hong Kong. Durante o passeio, um jovem chinês, de no máximo 15 anos, parou os dois e disse para John: “Com licença. O senhor não é o John Lennon, dos Beatles?” John, espirituoso, responde: “Não. Mas bem que eu gostaria ter o dinheiro dele.” Bowie caiu na gargalhada e amou a resposta! Tanto que passou a usá-la com frequência, quando era abordado com a mesma pergunta. Alguns meses depois disso, Bowie estava em New York, andando pelo Soho, quando alguém atrás dele diz: “Ei, você não é o David Bowie?” Bowie sorri e, sem sequer olhar para trás, responde: “Não. Mas bem que eu gostaria de ter o dinheiro dele.” A mesma pessoa o segura pelo braço e diz: “Seu bastardo mentiroso! Você queria era ter o meu dinheiro!” Era John Lennon, e os dois se abraçam.

A amizade entre Bowie e Lennon foi relativamente curta, mas intensa. Durou apenas 6 anos. Sabendo da importância que John tinha na vida de David Bowie, May Pang, secretária pessoal de Yoko Ono, amante de Lennon durante o Fim de Semana Perdido e, por consequência, também amiga de Bowie, fez questão de ir pessoalmente ao apartamento dele naquela noite trágica e fria de 8 de dezembro de 1980. Ao receber a notícia a morte de John Lennon, Bowie ficou inconsolável.  Chorava e gritava de dor. Meses depois, numa entrevista, Bowie disse sobre a morte de John Lennon: “Um pedaço inteiro da minha vida parecia ter sido tirado, toda a razão de ser cantor e compositor parecia ter sido removida de mim.” A explicação para tamanho sentimento de Bowie por Lennon vai muito além do sonho de guri, de conhecer seu ídolo, como ele próprio disse ao pai de Lennon no passado. John Lennon era um confidente e conselheiro de Bowie.

Desde que conseguiu fama mundial por conta do disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars, Bowie, inglês tal qual os Beatles, era obcecado por ser reconhecido nos Estados Unidos. A cada single, a cada disco lançado, mesmo que o disco vendesse milhares de cópias, seus shows estivessem sempre lotados e a as pessoas o adorassem a ponto agarrá-lo e rasgar sua roupa, Bowie achava que não conseguia conquistar de verdade o púbico americano por nunca ter tido um single sequer no topo da parada da Billboard. E ele conversava sobre isso com John, que sempre dizia que aquilo era besteira, que todo mundo amava ele nos Estados Unidos. Algumas semanas depois que Young Americans foi lançado, em 1975, John e Bowie foram ao Madison Square Garden, em New York, para assistir a um show do Elton John. Em certo ponto do show, o pianista anuncia que estava ali no backstage curtindo o show, ninguém menos que David Bowie. A plateia foi a loucura gritando “BOWIE! BOWIE! BOWIE!” Ouvindo aquilo, John Lennon deu um abraço no amigo e disse “Eu não te falo sempre, David? Olha só. A América te ama, cara!” Efetivamente, podemos dizer que John Lennon foi responsável direto pelo fim dessa neura de Bowie com o público dos Estados Unidos. E não só por conta dos conselhos. No dia 20 de setembro de 1975, a música Fame, composta por David Bowie e John Lennon chegou ao primeiro lugar da Billboard. Pela primeira vez Bowie chegava ao topo das paradas os Estados Unidos. Desde então, ele conseguiu alcançar várias outras vezes o número um da Billboard, com uma carreira longeva e genial. No final de 2013 David Bowie foi diagnosticado com um câncer no fígado. Lutou por dois anos bravamente contra a doença e acabou morrendo no dia 10 de janeiro de 2016, aos 69 anos de idade. Mas através da música, ficou imortalizada uma das mais lendárias histórias de amizade do rock n’ roll.

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