Texto publicado no Diário do Sudoeste em maio de 2020.
A verdade é dura, muitas vezes difícil de engolir. Mas ela há de prevalecer! Por isso já quero começar este texto com uma dessas duras verdades, que deixarão o caminho livre e sem dúvidas ou desconfianças, para que eu possa falar sobre o um dos episódios mais sangrentos e reveladores da história. Você sabe que o nosso planeta teve, espalhado por vários pontos distantes entre si, povos que desenvolveram civilizações incríveis. E, mesmo sem que haja nenhum vestígio de que esses povos tenham se comunicado, há várias semelhanças entre eles. Uma delas é a presença de pirâmides como templos religiosos. Há pirâmides no Egito, bem como nas civilizações Maia, Asteca e Inca. Essa coincidência é explicada por uma forte corrente teórica que diz que extraterrestres visitaram estes povos e os ajudaram a construir tais edificações, que, além de tudo era um tipo de engenharia complexa para ser concebida por povos tão primitivos. E esta é a grande verdade que eu venho lhes trazer: Esse papo de ETs construindo pirâmides é uma baita duma conversa fiada. Já está provado que as pirâmides de todas as civilizações citadas, foram concebidas, planejadas e executadas por seres humanos, que tinham, sim senhor, conhecimentos avançados de engenharia, astronomia, matemática e etc, mesmo em tempos tão remotos.
Um desses povos, talvez um dos mais impressionantes, são nossos vizinhos, os Incas. Infelizmente, conhecemos muito pouco da origem dos povos nativos da América. Estudos apontam que o ser humano já habitava todo o continente americano há pelo menos 12 mil anos. De lá pra cá, essa turma se espalhou, e grupos foram se adaptando e se estabelecendo nos mais diferentes lugares. Em especial grandes populações se desenvolveram muito na chamada Mesoamérica, região onde hoje fica o sul dos Estados Unidos, o México, Guatemala, El Salvador, Cuba e Honduras. Ali surgiram os Maia e, posteriormente, os Asteca. Possivelmente, algumas tribos já praticantes da cultura politeísta, de algumas técnicas agrícolas e senso de organização social, migraram para o sul e se estabeleceram na rica região dos Andes. Ali, em um tempo consideravelmente curto desenvolveram uma civilização incrível, organizada, rica e desenvolvida. Os Tahuantinsuyu.
Apesar de não ser esta a palavra ideal, fica mais fácil de se entender dizendo que o povo Tahuantinsuyu era um império que englobava várias tribos diferentes em um território vastíssimo, praticamente toda a costa da América do Sul. Em termos de tamanho territorial, eles foram o maior império indígena de toda a América. Como eu disse, a palavra império não é a ideal para explicar este povo. Na língua quéchua, Tahuantinsuyu significa “as quatro direções”, o que já demonstra o conceito de expansão deles. Mas funcionava mais como uma confederação. Existia uma cidade-estado, Cuzco (que está lá até hoje) e havia um soberano, uma espécie de líder espiritual, um sacerdote. Mas cada região mantinha sua língua e sua cultura, apenas era identificada como parte dos Tahuantinsuyu porque pagavam impostos a cidade-estado. Ah, sim, o líder deles recebia o título de Sapa Inka, que significa Grande Governante. Aí, quando os espanhóis chegaram por lá, acharam muito difícil falar Tahuantinsuyu e ouviam falar de inca pra cá, inca pra lá… e acabaram chamando todo mundo de inca.
Apesar de haver povos milenares na região dos Andes, os Incas mesmo, se estabeleceram como conhecemos no início do século XV, por volta de 1430. Em um século construíram uma civilização incrível, com estradas pavimentadas, aquedutos, agricultura com técnicas impressionantes de curva de nível e irrigação e cidades com prédios feitos de pedra muito resistentes, para aguentar os frequentes terremotos que atingem a região com certa frequência até hoje. Na virada dos séculos XV para XVI, os Incas vivam seu apogeu sob o comando do Sapa Inka Huayna Capac. A região que hoje compreende a Bolívia, o Peru e Equador era riquíssima em ouro e prata, e os Incas haviam dominado o manuseio desses metais, que eram usados para confecção de armas, utensílios e adornos. Tudo ia muito bem.
Enquanto isso, na Europa, o rei espanhol Fernando de Aragão foi convencido a financiar uma expedição chefiada por Cristóvão Colombo para tentar chegar na índia indo reto a oeste toda vida, ao invés de dar a volta na África. Em 1492 Colombo chegou nas Bahamas. Anos mais tarde Américo Vespúcio navega da América Central até a costa do Brasil e conclui estar diante de um novo continente, que acaba sendo batizado com o seu nome. Em 1513 o espanhol Vasco Núñez de Balboa cruza o a pé o estreito do Panamá e se depara com um novo oceano, ainda desconhecido, e que seria oficialmente descoberto pelo português Fernão de Magalhães numa jornada épica que eu já contei aqui, num texto publicado em setembro do ano passado. Em 1519, Nuñez de Balboa é morto no Panamá por Francisco Pizarro, o truculento explorador espanhol que iria derrubar o império Inca.
Os primeiros europeus, portugueses e espanhóis, que se estabeleceram na costa brasileira, em especial entre os atuais estados de São Paulo e Santa Catarina, já sabiam que havia uma tribo muito numerosa e riquíssima em pedras preciosas, que viviam em montanhas geladas a oeste. Muitos deles tentaram chegar lá, mas falharam. Mas foram avançando oeste adentro, criando vilarejos como Assunción, atual capital do Paraguai, e um ou outro espanhol conseguiu ter contato com algumas tribos Incas próximas a Potosí, na atual Bolívia. Da mesma forma, Pizarro chegou a conduzir uma expedição em 1527 que chegou até a atual Colômbia, onde os espanhóis tiveram contato com outras tribos, também integrantes do império Inca. Esse foi o começo do fim. Os espanhóis levaram até os Incas a varíola e a gripe. Doenças que eles nunca viram antes e não tinham nenhuma imunidade. Muitos morreram. Muitos mesmo, incluindo o Sapa Inka Huayna Capac. Seus dois filhos, Huáscar e Atahualpa deram início a uma guerra civil que dividiu e enfraqueceu o império. Foi neste cenário, em 1532, que Pizarro finalmente chegou a Cuzco. Atahualpa parecia ter vencido a guerra e ocupava o posto de Sapa Inka quando Pizarro o chamou para uma conversinha amigável. Que era uma armadilha, claro. Atahualpa foi preso e executado pouco tempo depois.
Por fim, os espanhóis tomaram as duas principais cidades dos Incas, Cuzco e Quito, atual capital do Equador, sugaram toas as riquezas inundando a Europa com ouro e prata andinos, escravizaram e mataram os nativos e o resto é história. Entretanto a força dos Incas ainda é conhecida e resiste. A cidade de Machu Picchu ainda está lá para ser visitada e é uma das sete maravilhas do mundo, o quéchua ainda é um idioma falado e considerado oficial no Peru, Equador e Bolívia e ainda há descendentes diretos daqueles povos vivendo naquela região até hoje, mantendo vivas muitas das suas tradições. Agora me fala. Um povo que passou tudo o que passou e tá aí até hoje, construiu tanta coisa… você acha que essa turma ia depender de uns ETs mequetrefes pra construir uma pirâmide?