Categorias
História Música

Os tempos daquela bossa.

Texto publicado em janeiro de 2021 no Diário do Sudoeste

Eu gosto muito de história do mundo e história do Brasil. Mas eu gosto ainda mais de ouvir e poder contar boas histórias, interessantes, engraçadas, incríveis. Esses dias eu vi uma entrevista tão boa do Roberto Menescal contando alguns causos da época do início da bossa nova que acabei querendo escrever sobre isso. Realmente o fim dos anos 1950 no Brasil foram mágicos.

“Em 1958 o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente!”

Foi o que escreveu o crítico e jornalista Roberto Schwarz sobre este período realmente efervescente do país. Em 1955 Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e, com seu plano desenvolvimentista, batizado “50 anos em 5”, abriu o comércio estrangeiro, alavancou a economia e construiu a cidade de Brasília em espantosos 3 anos. Em harmonia com essa onda de euforia e esperança política e econômica, o Brasil foi campeão da Copa do Mundo de futebol pela primeira vez em 1958, na Suécia, imortalizando as pernas tortas de Garrincha e mostrando ao mundo um jovem e talentoso jogador de 17 anos chamado Pelé. O Cinema Novo dava seus primeiros passos após o lançamento de Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, e, principalmente, foi lançado em 1958 o compacto de Chega de Saudade, canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes interpretada por João Gilberto.

Em 1954 Vinícius de Moraes, poeta já aclamado em todo o país, escreveu a peça de teatro Orfeu da Conceição, adaptação do clássico grego transposto para a realidade dos morros cariocas. Vinícius procurava algum músico para musicar os poemas que faziam parte da peça. Nessa época, Tom Jobim era muito jovem, vinte e poucos anos, tocava em algumas boates e fazia alguns bicos durante o dia pra pagar o aluguel. Havia um bar em Copacabana onde ele sempre parava no fim da tarde pra tomar uma cervejinha antes de ir pra casa. Numa dessas tardes, lá estava Vinícius de Moraes com alguns amigos bebendo e papeando. Um amigo em comum chamou Tom para a mesa e o apresentou ao Vinícius, dizendo que aquele garoto era o cara certo para musicar os poemas de Orfeu da Conceição. Vinícius então passou a explicar toda a ideia da peça, os poemas, como ele queria a música… falou entusiasmado por um tempão, possivelmente já embalado por algumas doses de uísque. Tom Jobim ouviu calmamente tudo que Vinícius tinha a dizer. Quando acabou, Tom Jobim olhou para o Poetinha e disse: “Tá tudo muito bom, muito bonito. Mas vai rolar um dinheirinho?” Vinícius olhou bem para a cara do rapaz por alguns segundos em silêncio, para em seguida explodir numa gargalhada. Nascia ali uma amizade que duraria por toda a vida.

Em 1956 as músicas de Orfeu da Conceição foram lançadas em vinil como trilha sonora da peça. Foi o primeiro disco da parceria Tom e Vinícius, que já trazia um clássico: a canção Se Todos Fossem Iguais a Você. A parceria não parou mais desde então.

Em abril de 1958 aconteciam as gravações do disco Canção do Amor Demais, um álbum inteiro de composições da dupla interpretadas pela Elizeth Cardoso, umas das mais renomadas cantoras da época. Este disco é a pedra fundamental da Bossa Nova. Apesar de Elizeth Cardoso ser uma cantora à moda antiga, com voz forte e marcante, além do disco ser inteiro de composições de Tom e Vinícius, um jovem músico baiano recém-chegado ao Rio de Janeiro participou da gravação como músico contratado tocando violão. Era João Gilberto. Uma das músicas do disco era Chega de Saudade. Durante a gravação, João Gilberto calmamente interrompeu a cantora conhecida como rainha do rádio dizendo: “Olha, não é assim, não, a música. Você está cantando errado”. Todo mundo no estúdio congelou com a audácia daquele jovem corrigindo uma das divas do rádio brasileiro. O problema estava no trecho da música que diz: “apertado assim, calado assim, abraços e beijinhos…”. Ela, incomodada, falou: “Estou cantando errado? Então por que você não me ensina como é?”. Elizeth estava cantando o trecho de forma corrida, muito reta. João Gilberto então cantou baixinho, enfatizando cada pausa das notas entre as palavras. Um produtor que assistia as gravações, em seguida, convidou João Gilberto para gravar um disco, cujo primeiro compacto foi justamente Chega de Saudade, cantada com toda a sua suavidade e beleza. Foi quando toda aquela turma da zona sul do Rio de Janeiro entendeu como tocar samba. Nascia a Bossa Nova.

João Gilberto dizia para seus novos amigos, jovens cariocas como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Nara Leão e tantos outros, que o problema de tocar samba no violão é que o ritmo do samba tem muitos instrumentos fazendo coisas diferentes. O segredo é escolher um, no caso o tamborim. A batida do violão na Bossa Nova nada mais é do que o ritmo que o tamborim imprime no samba. Com essa turma toda já escolada, e com essa nova formatação musical elaborada pela santíssima trindade: os acordes de jazz de Tom Jobim; as letras delicadas e ensolaradas de Vinícius de Moraes; e o ritmo e jeito de cantar peculiar de João Gilberto, fizeram com que a Bossa Nova se espalhasse pelo mundo.

Em especial os Estados Unidos se renderam ao banquinho e violão de maneira impressionante. O saxofonista de jazz Stan Getz gravou um disco com João Gilberto e até mesmo Frank Sintra chegou a gravar um disco inteiro em parceria com Tom Jobim, imortalizando The Girl From Ipanema.

Para concluir, em 1962 o Carnegie Hall, em NYC, recebeu três shows com os principais nomes da Bossa Nova, todas as apresentações absolutamente lotadas.

Não teve nada igual a este período entre 1958 e 1963 na história do Brasil. Inquestionavelmente o Golpe Militar de 1964 foi um golpe muito duro pra nós. Até parece que a gente em 2021 ainda não se recuperou totalmente dele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *