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História

O Fascismo bate à porta.

Texto publicado em outubro de 2022 em minhas redes sociais.

No dia 2 de agosto deste ano, um homem de 39 anos entrou na biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo, pegou alguns livros, entre eles o infame Mein Kampf, de Adolf Hitler, e circulou pela biblioteca, sem preocupação nenhuma de esconder os livros que carregava, até encontrar um lugar para se sentar e começar sua leitura. Enquanto circulava pela biblioteca, fez alguns comentários racistas contra algumas das pessoas que estavam ali estudando. Ao ser confrontado, levantou a voz. Disse que não gostava mesmo de negros e nem de “viados”. Chegou a fazer a saudação nazista enquanto continuava a proferir as maiores barbaridades com orgulho. A polícia foi acionada e o homem acabou sendo detido.

O que impressiona neste ocorrido é que o homem em questão não tem nenhum receio ao demonstrar sua ideologia distorcida. O mesmo tipo de comportamento tem sido registrado ao longo dos últimos anos com uma frequência alarmante. Foram muitos os vídeos que circularam na internet durante a pandemia de entregadores negros sendo destratados e humilhados por brancos, por exemplo. Claro, alguém pode argumentar que o racismo sempre existiu, a diferença é que agora tem celular com câmera e redes sociais para registrar e divulgar isso. De fato. Mas vai além disso. Até meados da década de 2010, por mais que esses casos ocorressem, não se via nas pessoas esse orgulho. Quem era flagrado cometendo racismo procurava esconder sua identidade, evitava ser filmado, tentava cobrir o rosto. Atualmente, essas pessoas parecem fazer questão de serem vistas.

Se o racismo sempre existiu, por que dar atenção a essas notícias? É porque elas são um dos claros sinais de que o Brasil está se encaminhando para um período de retrocesso, reacionarismo, violência, cerceamento de liberdades e discriminação. Enfim, um regime fascista. Para entender esses sinais, precisamos entender minimamente o que é o fascismo.

Na Roma Antiga o símbolo dos magistrados oficiais de justiça, ou seja os juízes, tinham como insígnia um machado cujo corpo eram várias varetas de madeira, ou feixes, amarrados juntos, e acima atada a este corpo uma lâmina de machado. Essa simbologia representava que uma vareta sozinha pode ser quebrada facilmente, mas muitas varetas juntas tornam-se muito mais difícil de serem quebradas e a lâmina do machado atada às varetas representava o rigor da lei. No início do século XX, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Itália vivia uma situação dificílima. Mesmo tendo lutado ao lado dos vencedores, ela foi ignorada na hora da partilha de territórios e ganhos da guerra. Começaram a se reunir então grupos de militares, soldados que lutaram na guerra, para insurgirem contra o avanço do bolchevismo e a favor do nacionalismo. O principal líder deste grupo era Benito Mussolini. Ele organizou esses grupos num partido e utilizou a simbologia romana do machado feito de feixes de madeira. Feixe em italiano é fascio, que no plural fica fasci. Assim nasceu o Partito Nazionale Fascista.

Mas depois disso, o termo fascismo se tornou muito mais plural e passou a designar todo regime político autoritário, militarizado, conservador e truculento. Assim, o nazismo é considerado um regime fascista, assim como foi o governo de Franco na Espanha, de Salazar em Portugal, de Pinochet no Chile e de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, no Brasil. Ah, mas então os regimes de Stalin, Mao Tse Tung, Fidel Castro e etc também eram fascistas! Não exatamente. Foram sim regimes ditatoriais, autoritários e igualmente truculentos, é verdade. O que os difere dos regimes fascistas são algumas diferenças políticas. As ditaduras de esquerda, como as citadas, não se fazem valer de apoio de religiões, promovem uma distribuição de renda, ainda que injusta e desigual, e realizam um aparelhamento total do estado no setor industrial e de serviços. Já o fascismo se faz valer de valores tradicionais e religiosos, promove a meritocracia como justificativa de sua superioridade e cultua a propriedade privada, mas mantém todos os setores da economia sob suas rédeas curtas. Veja bem, não existe melhor ou pior. Ambos são péssimos. Mas o fascismo tem algumas características específicas que são realmente perigosas, e estão batendo na nossa porta.

O fascismo usa o passado para inspirar um nacionalismo exagerado. Aquele pensamento de que no passado é que era bom, nos tempos áureos! Mas que passado era esse? Mussolini, por exemplo, exaltava o império romano como época gloriosa da Itália, sendo que a Itália nem existia naquela época. O império romano e a criação da Itália enquanto país nada tem a ver um com o outro, a não ser um pequeno território geográfico. Hitler exaltava justamente os povos germânicos que combateram os romanos, sendo que boa parte da Alemanha há menos de meio século antes era, em sua grande parte, território do império austro-húngaro. Mas, de qualquer forma, isso sempre funciona. Aqui no Brasil, não tem sido necessário ir tão longe no passado. Mas com certeza, você já ouviu alguém dizendo que no tempo da ditadura militar o Brasil era melhor. Eu mesmo já ouvi gente dizendo que o governo militar torturava e matava de vez em quando sim. Mas só o fazia com quem merecia, quem era vagabundo e comunista. Claro que isso é uma mentira nojenta. Mas ainda que não fosse, não há humanidade nenhuma numa fala dessas, afinal tortura e assassinato não devem ser tolerados em quaisquer circunstâncias.

Mas este é outro ponto do fascismo. O culto a violência. O fascismo é essencialmente sobre superioridade. E que maneira melhor de se demonstrar superioridade do que massacrando seu oponente? Por isso, todo fascismo tende a ser militarizado e incentiva o aprendizado da luta já na infância. Incentiva seus seguidores a possuírem armas e identificar, e abater se possível, seus inimigos. A maior prova disso foi a Juventude Hitlerista e a Liga das Moças Alemãs, destacamentos paramilitares que recrutavam, treinavam e armavam jovens e mulheres. Mas tudo na vida é questão de parâmetros. Se o fascismo prima pela superioridade, ele precisa ser superior a alguém. Aqui podemos facilmente voltar ao início deste texto. Essa sanha por superioridade leva à discriminação de minorias. Uma vez que o fascismo está sempre atrelado ao tradicionalismo, conservadorismo e dogmas religiosos, obviamente negros, homossexuais, judeus, mulheres e etc , não estarão em boas mãos. E quem apoia regime fascista se sente no direito de externar esse tipo de sentimento, com orgulho de ser superior, como se fazer comentários racistas fosse seu direito, um exercício da liberdade de expressão. O que nos leva a outro ponto importante a se conhecer do fascismo.

O inimigo. Ou os inimigos. O fascismo se caracteriza também por criar em torno deste nacionalismo maravilhoso, que desagua na superioridade nacional, e nessa necessidade de se armar, um clima de tensão e perigo constante, de ameaça. Precisamos combater o inimigo! Para os nazistas eram os judeus e os comunistas, para Mussolini eram os traidores da Primeira Guerra, França e Inglaterra, que não deram à Itália o que lhe era de direito, além, é claro, de combater os comunistas. Aqui cabe um parênteses. Por que todo mundo odiava tanto os comunistas? Perceba que, nessa época, pós Primeira Guerra, a Rússia acabara de fazer a Revolução de 1917, e os ideais de russos, em especial no que dizia respeito à classe média-baixa de trabalhadores, assustavam as elites aristocratas. Lembrando que o fascismo preza a propriedade privada e mantém laços estreitos com o empresariado, de maneira geral. Basta ver, como exemplo, a lista de grandes empresas alemãs que apoiaram e se beneficiaram com o nazismo. Fecha parênteses. O inimigo pode ser qualquer um. Ainda que hoje o comunismo já esteja liquidado como forma efetiva de governo, ele ainda é um fantasma que assombra o Brasil, por exemplo. Mas por aqui outros inimigos têm sido elencados. Entre eles estão a mídia e o Supremo Tribunal Federal.

Outro fator importante para o fascismo é ter a frente uma figura carismática, que vai falar ao povo e servir como exemplo. Não precisa ser uma pessoa muito inteligente ou culta. Mas precisa ser imponente, ter convicção e ser destemido. Cria-se em torno dessa pessoa uma tal aura de poder, que ele passa a ser admirado, torna-se um… mito. Hitler, por exemplo, não era um homem brilhante. Pelo contrário. Foi muito rejeitado até alcançar a chancelaria da Alemanha. Tentou ser pintor, arquiteto e sempre foi rejeitado nas escolas superiores. Até no exército ele foi rejeitado, por ser muito baixo. Também era pouco afeito á leitura e escrevia mal. Diz-se que seu livro, Mein Kampf, teve que ser todo reescrito por outras pessoas para poder ser compreendido. Mas era um orador insuperável, tinha boa postura e falava o que as pessoas maltratadas pela crise econômica e pela vergonha da derrota na guerra queriam ouvir. E mais. Junto com a promessa de uma Alemanha melhor, com um governo sem corrupção, Hitler injetava nas pessoas o discurso de ódios aos judeus. Discurso esse que era aceito, considerado normal, e a violência contra os judeus não só era tolerada, como incentivada por muitos alemães.

Tá. Depois de tudo isso, vamos ao que realmente interessa neste texto. Os sinais. De tudo que você leu até agora, em vários momentos você deve ter lembrado de uma ou outra fala ou situação acontecidas no governo Bolsonaro até agora. Se não lembrou de nenhuma, eu vou te lembrar de algumas. O fascismo se faz valer de valores tradicionais. O lema do partido nazista era Deutschland über alles, que significa Alemanha acima de tudo. O slogan da campanha de Bolsonaro em 2018 era Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. O lema Deus, Pátria e Família, usado atualmente por Bolsonaro, era o lema do regime salazarista em Portugal. O governo Bolsonaro exalta o Golpe Militar de 1964, cultua torturadores e, até hoje, Bolsonaro nunca veio a público se retratar sobre sua fala num programa de TV nos anos 90, em que disse que a ditadura matou pouco. Se não se retratou até agora, é porque ainda acredita nisso.

Sobre o culto à violência, militarização e exaltação ás armas de fogo, o governo Bolsonaro é uma verdadeira festa. Além de elogiar torturador, é um governo que praticamente lierou o acesso a armas de fogo para qualquer pessoa. O exército já disse que não tem capacidade para analisar cada pedido de CAC que recebe, já está provado que criminosos estão tirando a licença de CAC e comprando armas para o crime organizado. O número de mortes por arma de fogo disparou (com o perdão do jogo de palavras), bem como o de violência doméstica. E aqui cabe outro ponto importante. O presidente justifica que todo cidadão deve ter uma arma para proteger a sua liberdade, porque a liberdade vale mais que a sua própria vida. Perceba que ele não diz que é para o cidadão proteger seus bens, sua casa ou sua família. É sua liberdade. Isso significa que se um governo do qual você é contra entrar no poder, ainda que democraticamente, o governo atual pode fazer você acreditar que quem está no poder vai acabar com a sua liberdade. Neste caso, ainda bem que você tem uma arma, não é? E o caos estará instaurado.

Quanto a criar inimigos, já pudemos ver que Bolsonaro é pródigo! Já culpou ONGs pelos incêndios na Amazônia, se coloca ainda hoje como paladino da Covid-19, sendo único chefe de estado que teve a coragem de se impor contra as políticas de contenção, todas equivocadas, é claro! Desta forma, transformou a ciência e o cuidado com a vida das pessoas em seus inimigos. Preciso falar de vacina? Acho que não, né… Até porque os inimigos mais emblemáticos do governo Bolsonaro são a mídia e o STF. Para Bolsonaro, 99% da imprensa está contra ele, e contra o Brasil (aquele 1% que é vagabundo, como diria a canção, eu prefiro não citar). Mas isso é perigosíssimo, faz com que seus apoiadores se informem por redes sociais, onde notícias falsas são noticiadas e notícias verdadeiras são desacreditadas, colocadas como parte de um verdadeiro complô. Colocar toda a mídia como inimiga nos deixa a um espaço perigosamente curto da censura. Da mesma maneira, ser combativo, insolente até, em relação ao STF é igualmente perigoso para a democracia. Pois serve de justificativa barata para que, mais uma vez no poder, Bolsonaro possa aparelhar de vez o judiciário ao seu favor. Aí, cem anos de sigilo vai ser coisa pouca. Aliás, vale mencionar: sabe que presidente aparelhou o STF logo que assumiu o cargo, para poder fazer o que bem entendesse? Sim, ele mesmo! Hugo Chavez.

Estes são só alguns dos sinais de que estamos nos encaminhando para um governo autocrata e fascista. Afinal, lembre-se que nenhum regime fascista surgiu do dia para a noite, eles foram todos construídos á partir de oportunidades, situações socioeconômicas e muito discurso repetido à exaustão. E todos os regimes fascistas acabaram em mortes, censura, cerceamento de liberdades e desigualdade para o povo. A maioria das pessoas com quem converso tem muitas reservas quanto ao ex-presidente Lula. Todos os escândalos de corrupção realmente aconteceram e foram lamentáveis. Mas não podemos esquecer que, além de o atual governo também estar atolado em corrupção, que é cegamente negada por seus seguidores e blindada por sigilos centenários e aparelhamento na polícia federal, a conjuntura política é muito diferente. A grande maioria dos participantes daquele cenário de escândalos está preso ou fora de cargos públicos. Além do mais, a própria tecnologia e consciência política das pessoas evoluiu muito. É muito mais difícil encobrir escândalos e a população é muito mais atuante denunciando e cobrando a classe política. O antipetismo vigente é um câncer. Está cegando e anestesiando as pessoas. Faz com que não se perceba que escolher entre dois políticos com histórico de corrupção, a escolha mais lógica é o candidato que, em momento nenhum ameaçou a democracia, e não o candidato que em toda a sua carreira política, dá sinais de autoritarismo e fascismo. Ficou célebre a seguinte frase do pensador, escritor e dramaturgo Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio.”. Cabe a nós não deixar que ela cruze e tenha filhotes.

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