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Ficção

No Cartório

Texto publicado nas redes sociais em abril de 2020.

 – Bom dia, em que posso ajudá-lo?
 – Bom dia. Eu vim registrar o meu filho, que acabou de nascer.
 – Opa, que beleza! Meus parabéns.
 – Brigado.
 – E qual vai ser o nome?
 – Enzo Pereira Lima
 – Ih, mas aí não pode. Não pode ser outro nome?
 – Como assim não pode, moço? Eu não posso escolher o nome que eu quero pro meu filho?
 – Pode, mas tem umas restrições aí, né… tem esse decreto novo do nosso querido capitão, o presidente…
 – Que decreto, cara?
 – Já deu o limite aí pra Enzo, Valentina, esses nomes da moda…
 – Como assim?
 – Chegou num número aí… sei lá… um milhão. Aí não pode mais. Quem colocou esses nomes colocou, quem não colocou não coloca mais.
 – Mas não faz o menor sentido isso.
 – Tô aqui só cumprindo ordem. Mas não pode.
 – Puta merda. E agora, eu nem pensei em outro nome.
 – É, eu não queria estar na tua pele não.
 – Deixa eu ligar pra minha mulher, peraí. Alô, amor, olha, deu problema aqui. Não pode registrar o menino como Enzo. É, não sei, porra, mas não pode. O presidente não deixa. Como assim, que presidente, Helena, o presidente do Brasil, porra! Sei lá… tá, por mim tá bom. Vou ver aqui. Beijo. Olha, ela falou pra colocar o nome do avô dela, que veio da Espanha e tal… então vai ser Juan. Juan Pereira Lima;
 – Ih, mas aí não pode também.
 – Ah, você tá brincando, né, amigo. Como assim não pode?
 – É, Juan, com essa pronúncia mesmo, “Ruán”… ?
 – Isso, é o nome do avô da minha mulher.
 – Então, é que Juan é meio que nome de cubano, né, soa meio comunista. Pega mal pra nós. O decreto do capitão também fala de nomes estrangeiros que lembrem Cuba, Venezuela… aí tem que cortar mesmo.
 – Puta que pariu!
 – Mas olha, se o senhor quer nome estrangeiro, nós temos umas sugestões aqui. Por exemplo, Washington.
 – Mas aí, me fode. Não sei nem escrever isso.
 – Pois é, tem essa exigência, além da pronúncia. Estamos liberados a registrar criança com esse nome mediante comprovação dos pais conseguindo soletrar o nome e fazendo a pronúncia correta. “Uáshintan”.
 – Porra, mas aí eu tenho que fazer um curso de inglês pra falar o nome do meu filho?
 – Ah sim. Estamos inclusive com um convênio com a Wizard. O senhor pega esse formulário aqui e não paga matrícula e tem dez por cento de desconto na mensalidade. E se falar que foi o Valdir que indicou, que sou eu, no caso, eu ganho uma comissãozinha. Dá essa força pra nós!
 – Que mané Wizard, cara! Eu quero só registrar meu filho!
 – Calma, senhor. Não precisa gritar.
 – Calma o caralho! Não posso batizar o meu filho com o nome que eu quero, não sei que nome vou colocar, minha mulher vai ficar uma fera comigo… que que eu faço agora? Minha mulher vai me matar…
 – Olha, posso dar outra sugestão. Se o senhor colocar o nome no menino de Jair, ganha um cupom de cinquenta reais em compras na Havan. Se colocar Jair Messias, registrando aqui pelo meu computador, eu ganho uma comissãozinha. Dá essa força aí pra nós.
 – Nem fodendo. Vou embora. Vou conversar com a minha mulher e outro dia eu volto, se ela não me matar, por eu não conseguir fazer uma coisa tão básica como registrar o meu filho.
 – É, eu te entendo, senhor. Espero que fique tudo bem e vocês escolham um nome que os satisfaça e que seja permitido pela nova legislação. Ainda bem que meu filho nasceu em 2017, antes dessa lei. Não tive esses problemas.
 – É mesmo? E como chama o seu filho?
 – Enzo.

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