Texto publicado no Diário do Sudoeste em junho de 2020
Usar determinadas palavras para dar significado a coisas tão difíceis de descrever, como sentimentos, sentidos e memórias, é uma das coisas que me faz amar tanto escrever. Acho lindo dizer que tal comida tem gosto de infância, por exemplo. Porque é uma maneira muito objetiva de definir uma coisa muito particular. O sabor da minha infância é bem diferente do sabor da sua infância. Ainda assim, nós dois entendemos claramente, e da mesma maneira, o que esta expressão quer dizer. E já que estamos falando de sabor de infância, vou contar pra você algo que me deu muita alegria essa semana.
Uns dias atrás estive com a minha mãe e ela me ensinou a fazer virado de banana! Trata-se de um doce muito simples feito com apenas cinco ingredientes: banana, açúcar, farinha de milho, sal e óleo. O virado de banana é a minha definição de gosto de infância. Meu avô materno morava na pequena São Bento do Sapucaí, cidade pequenininha no alto da serra da Mantiqueira. Na época que ia passar as férias escolares lá, era uma cidade pacata. Hoje em dia é uma cidade badalada de turismo ecológico na divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais. Ali viviam meu avô e suas duas irmãs. Isso porque minha avó morreu quando minha mãe era criança. Desde então, meu avô, que na época morava em São Paulo, após encaminhar os filhos, mudou-se para São Bento com minhas tias avós. Passei muitas férias na casa do meu avô. De lá trago as memórias mais felizes da minha vida até hoje. Já vivi muita coisa, já me diverti muito… mas acho que nunca vivi uma felicidade tão pura quanto a que experimentei em São Bento. Corria pelas ruas, às vezes sozinho, às vezes com meus primos, com o meu avô ia pescar lambaris, assistia aos jogos do Corinthians, desenhava, ouvia histórias… era muito mágico, de verdade.
No quesito comida, tem três pratos que sempre tinha à mesa por lá: lambari frito que pescávamos, pepino ralado com pimenta, limão e salsinha para acompanhar a salada do almoço e o virado de banana. O lambari frito eu comi raríssimas vezes depois que meu avô morreu. Já o pepino e o virado de banana, minha mãe sempre soube fazer exatamente como minha tia avó fazia lá em São Bento. Ano passado me mudei da casa dos meus pais, para construir minha família com a minha namorada. Desde então, faço o pepino ralado com frequência, pois é muito simples. Já o virado de banana, eu nunca me arrisquei a tentar fazer. Até que minha mãe disse que faria e eu fui acompanhar, para aprender a fazer. No fim das contas, ela só foi me dando as instruções e eu mesmo fiz. E não é que ficou com o mesmo sabor do que minha tia avó fazia em São Bento? Finalmente aprendi e vou poder fazer em casa sempre que estiver em casa, sem precisar depender da minha mãe!
Se você ficou querendo saber como é esse danado desse virado de banana, vou explicar aqui. Se você tentar fazer e gostar, pode entrar em contato comigo pra me contar. Primeiro detalhe é usar banana prata ou nanica (preferência para a prata). Entre 6 e 8 bananas é uma quantidade boa. Corte as bananas em rodelas e ponha numa frigideira com um pouco de óleo e vá mexendo aos poucos, deixando a banana derreter. Depois que já deu uma boa derretida, acrescente três colheres de sopa bem cheias de açúcar e segue mexendo. Um dos segredos é uma pitada de sal neste momento, que vai equilibrar e não deixar muito doce. Mas é uma pitada mesmo, nada mais. Depois que a banana já derreteu bem e começou a pegar cor junto do açúcar, vá acrescentando a farinha de milho aos poucos. A farinha de milho não tem quantidade exata, tem que ir acrescentando e mexendo sem parar, até que se chegue numa consistência de massa de pão. Mas não deixe secar muito, essa é a dificuldade de explicar… só vendo mesmo. Mas quando essa massa começa a ficar mais homogênea e consistente, e a cor começa a chegar num marrom mais escurinho, é hora de tirar do fogo. Já passa essa massa para uma vasilha de vidro, espalha certinho, de maneira uniforme. Ali ela vai secar. Esfriou um pouco, já pode cortar e comer. Esse virado morninho com um café passado na hora não tem coisa igual nesse mundo. Nada se compara ao doce e maravilhoso gosto de infância!