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Inteligência Artificial & Talento Natural

Texto escrito para o site. Fevereiro de 2023.

Eu considero a escrita a maneira mais eficiente de comunicação. Quando bem elaborado, um texto pode transmitir uma mensagem com mais clareza e sensibilidade ao ser lido do que ao ser ouvido. Afinal, ao escrever podemos ponderar os argumentos, escolher as melhores palavras e até mesmo conduzir a fluidez da leitura através da pontuação. Quando precisamos comunicar alguma coisa falando, ainda mais se tiver que ser no improviso, sem tempo pra pensar, tudo atrapalha. Enquanto fala, você observa as reações das pessoas e isso pode te desconcentrar, ao procurar as melhores palavras, sua mensagem vai parecer vacilante, pois haverão intervalos, tipo… hmmm, como posso dizer… ãhnn… Enfim.  É fato que algumas pessoas escrevem muito melhor que outras. Mas todo mundo pode escrever razoavelmente bem se quiser.

Neste contexto, a escolha e o uso correto de cada palavra é muito importante. Tão importante que, se usada e maneira equivocada, pode perder seu significado original e ganhar um novo. Por exemplo, a palavra nostalgia, até o século XIX era uma coisa ruim, remetia à tristeza, melancolia. Hoje em dia, quando alguém se sente nostálgico, significa que está sentindo aquela saudade gostosa de uma época boa da vida. Eu costumo ter essa preocupação no uso de algumas palavras, para manter seu significado. O melhor exemplo para mim é a palavra gênio. Um adjetivo superlativo, é considerado gênio aquele que realiza coisas extraordinárias, que está muito acima da média. Me lembro que, quando morreu o Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr, muita gente na imprensa dizia ”Perdemos um gênio da música.”. Ora, vamos com calma! Se vamos usar o adjetivo gênio para o Chorão, que adjetivo vamos usar pro Tom Jobim? Porque não podemos coloca-los no mesmo balaio, certo?

Tá. Então vou te dizer um cara que pode sim ser considerado gênio, dada sua obra tão única, desafiadora e influente. O Doutor Gonzo, Hunter S. Thompson. Falo dele porque estou acabando de ler um de seus livros neste momento e estou encantado com a sua narrativa. Ainda que o jornalismo gonzo tenha se popularizado e se tornado praticamente um estilo literário, o texto de Thompson é incomparável. Ninguém escreve como ele. Aí, por esses dias atrás, ouvi falar bastante e li em alguns lugares sobre o ChatGPT, a tal inteligência artificial capaz de elaborar textos originais, dissertando sobre qualquer assunto desejado. Numa das matérias que li, dizia que fora pedido a IA para escrever a letra de uma música sertaneja falando sobre o Pantanal, no estilo do compositor Sorocaba. E assim foi feito, e parece que o compositor recebeu a letra e até achou boa, chegou a colocar melodia em cima e tal.

Me lembrei dos primórdios da internet, quando tinha um site que era um gerador de letras dos Engenheiros do Hawaii. Claro, não tinha nada de inteligência artificial ali. Apenas um banco de dados com várias frases e clichês que o Humberto Gessinger sempre usou, e quando você pedia para gerar a letra, saía um compilado dessas frases, de maneira randômica, mas que muitas vezes fazia sentido e era legal. E no fim das contas, era um site pra tirar sarro, é óbvio. Aí entrei no tal ChatGPT e pedi uma música ao estilo do Humberto Gessinger, pra ver o que daria. O resultado foi frustrante. Uma letra tão fraca e superficial que até mesmo o Dinho Ouro Preto seria capaz de fazer melhor.

Mas pensei. Bom, a IA é gringa, não tem tanta informação assim da cultura brasileira. Aí pedi para ela gerar um texto de 6 parágrafos sobre política internacional de 2022, no estilo cáustico e caótico do doutor Hunter Thompson. Pedi inclusive em inglês, pra garantir que não iriam se perder quaisquer nuances ou tiradas na tradução. E adivinha. O resultado foi igualmente frustrante. Recebi um texto que até resumiu bem a política internacional do ano passado. Mas sem a verve vibrante e provocadora do doutor Gonzo que eu esperava.

Plataformas de inteligência artificial como o ChatGPT são uma novidade, uma ferramenta que ainda não descobrimos direito para que serve e como usar. É claro que vai acabar nos causando alguns problemas. Principalmente para o ensino. Imagine que através do ChatGPT, alimentando-o corretamente com as informações necessárias, o tipo e tamanho do texto, sua formatação e etc, a IA pode gerar toda uma monografia de conclusão de curso para um graduando, e este texto não será plágio, pois é um texto original. O mesmo vale para trabalhos e pesquisas de alunos no ensino médio. Em contra partida, para jornalistas, por exemplo, pode ser uma ótima ferramenta. Uma pesquisa para uma pauta que poderia demorar determinado tempo no Google, que vai entregar um link para você acessar e encontrar a informação necessária, o ChatGPT vai te entregar todas as informações que ele possui sobre aquele determinado tema de uma vez só e de maneira organizada. Aí, o trabalho que o jornalista vai ter vai ser de checar as informações e inserir no seu texto.

O que o ChatGPT não faz é escolher aquela palavrinha ideal, é saber quando uma frase deve ser longa para demonstrar urgência, ou entrecortada entre duas ou três, gerando pausas e causando outro sentimento ao leitor. A inteligência artificial não tem sensibilidade ou criatividade para transformar uma história banal numa história surpreendente, com reviravoltas e finais inesperados. Mais importante de tudo, inteligência artificial nenhuma tem bom senso para saber que a letra de música que ela gerou é pior que qualquer uma do Dinho Ouro Preto, ou para retratar com bom humor um acontecimento qualquer.  Inteligência artificial também não tem senso crítico. Aliás, senso não tem nenhum, porque inteligência é uma coisa, sensibilidade é outra.

Eu não sou um grande escritor. Não sou um revolucionário da literatura ou um vanguardista da comunicação. Mas sei que escrevo bem e meus textos tem um algo mais, que agrada pelo menos algumas pessoas. Textos como este que você está lendo, inteligência artificial nenhuma vai ser capaz de criar. O ChatGPT está aí, e veio para ficar, mesmo assim, ainda vamos precisar de gente como Hunter Thompson e Jack Kerouac, Guimarães Rosa e Rubem Fonseca, para escrever textos que ninguém consegue imitar. Continuamos precisando de gente como Bob Dylan e Kurt Cobain, Tom Jobim e Caetano Veloso… vá lá, até de gente como o Humberto Gessinger e o Dinho Ouro Preto a gente precisa. Porque não são gênios, mas mesmo assim tem alguma sensibilidade e, assim como todo ser humano, eles são únicos.

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