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A ESPERA

03:14

Eu adoro ficar em casa de bobeira, sem ter o que fazer. Posso escolher se vou ver um filme, ou pensar em aprender a tocar canções do Steve Wonder ou do Bob Dylan. Mas fazer uma caminhadinha leve também é agradável em noites quentes como a de hoje. Então escolho por andar até o terminal rodoviário, ao invés de pegar o ônibus no ponto que fica a duas quadras de casa.

Apesar de admirar e curtir a agitação incessante de grandes metrópoles, me agrada andar no centro da cidade pequena onde moro e perceber as ruas quietas e vazias por já passar das dez da noite. O silêncio e a brisa da noite ajudam a aplacar o calor e relaxar a mente. Ainda bem que resolvi não trazer o iPod.

Chego ao terminal pensando o quão adiantado eu estou. Acredito que terei uma longa espera pela frente.

 – Quanto é a passagem?

 – Dois e cinquenta

 – Tá na mão.

 – Obrigado. Boa noite.

 – Por favor, qual o ônibus que eu pego para chegar na rodoviária? – Porra, eu já fui melhor nisso. Antigamente andava pra cima e pra baixo de ônibus e conhecia a maioria das linhas…

 – Aquele parado à esquerda ali.

 – Valeu. Boa noite.

02:56

Eu gosto de andar de ônibus. Claro. Exceto quando está lotado, aí é ruim. Mas quando está tranquilo, tem lugar livre para sentar, é bem legal. Gosto, especialmente, de pegar o ônibus de volta para casa quando vou ao cinema sozinho. Passo todo o trajeto pensando no filme assistido. Quando eu namorava era bom também, afinal era ótimo poder falar sobre o filme e não só pensar. Ela era uma excelente companhia.

Por falar em namoro, não posso deixar de ouvir a conversa do rapaz que está sentado atrás de mim. Ao telefone, ele nitidamente fala com a namorada. Mas num tom nem romântico, nem tedioso. É meio desleixado. Aquele tom de conversa de namoro que está acomodado, correndo o risco de acabar. Eu sei bem como é…

02:38

A rodoviária mudou muito pouco nesses últimos anos. Fizeram essas salas de espera fechadas com ar condicionado, para proteger tanto do calor quanto do vento forte e frio que sopra tarde da noite. Mas hoje tais salas não são necessárias. A noite está fresca. Uma vez na rodoviária, só há uma coisa que eu preciso: um café.

Entro na lanchonete.

 – Boa noite. Um cafezinho, por favor.

 – Aqui está. Açúcar, adoçante…

 – Não, obrigado. Eu prefiro puro. Quanto é?

 – Acerte ali no caixa, por favor.

 – Ok.

 – Boa noite. Um café.

 – Mais alguma coisa.

 – Não. É só.

 – Um e cinquenta.

 – Aqui está. Trocadinho.

 – Que bom. Puxa, eu que precisava de um café…para despertar, sabe…

 – Café é sempre uma boa pedida. Posso me sentar ali? O ônibus que eu estou esperando ainda vai demorar.

 – Claro. Fique à vontade.

Me sento de frente para a TV. Segundo tempo de Cruzeiro e Santos. Jogo chato. Deve ser importante, porque tá uma correria e nego cavando falta adoidado. Penso se não deveria ter prolongado a conversa com a mocinha do caixa. Ela estava parecendo querer papear. Mas desencano. Acho que eu é que não estou muito afim de papo. Assisto uns quinze minutos do jogo, me levanto e saio.

02:11

Caminhando lentamente pelas dependências da rodoviária para fazer hora, começo a me lembrar de tantos momentos que passei por ali esperando. Sempre gostei do namoro à distância. Passava a semana toda com aquela saudadinha gostosa apertando o peito. Aí, na sexta feira de noite, eu ficava lá esperando o ônibus chegar e vê-la descendo com carinha de cansada, mas sorrindo para mim. Ou das vezes que eu chegava com mala na mão, livro na outra, comprava uma garrafa d’água e embarcava para ir ao encontro dela. Bons tempos.

Bom, pelo menos a lanchonete é nova e o café é melhor do que era naqueles dias.

01:59

Engraçado como eu tenho pensado nela esses dias. Domingo, passei o dia ouvindo os discos da Colbie Caillat que ela sempre gostou. Na segunda pensei nela não me lembro bem porquê. Ontem assisti uma dessas comédias românticas e a personagem da Natalie Portman tinha um comportamento parecidíssimo com o dela no começo do nosso namoro. E agora eu aqui nessa rodoviária cheia de lembranças para me entreter.

Já faz mais de um ano que terminou. Nem parece que faz tanto tempo. E é meio louco pensar que fui eu quem tomou a iniciativa de terminar. Me orgulho de ter terminado de maneira honrosa. Terminou porque eu não a amava mais e não era justo comigo e nem com ela continuar num relacionamento sem sentimento verdadeiro. Fiz questão de terminar numa conversa pessoalmente. E não por telefone ou Skype. Pessoalmente. E, que merda…como ela chorou. Foi difícil.

E mesmo eu fazendo tudo certinho, eu saí como filho da puta da história, como cafajeste. Inclusive minha mãe acha isso. Que eu sacaneei minha ex de alguma maneira. É. Eu sei que elas andaram conversando depois do fim do namoro. Minha mãe sempre gostou muito dela e…

01:47

Peraí!

Será que tem armação aqui? De todas as vezes que a minha mãe foi e voltou de ônibus pra casa da minha irmã, nunca me pediu para ir espera-la na rodoviária. E agora essa conversa de eu ir até lá para ajudar com as malas que ela está trazendo, que estão muito pesadas. Muito estranho.

Será possível que elas conversaram e ela está vindo junto? Era só o que me faltava! Mas não é impossível Minha mãe me ligou pedindo que eu fosse encontra-la na rodoviária quando já estava na estrada, a caminho daqui. Pode ser que elas tenham se encontrado no ônibus e minha mãe me ligou para forçar um encontro “casual”.

Começo a olhar para os lados. Se a ela está vindo para cá, é para visitar alguém. Mas ela não tem família aqui. Só uma amiga. Aliás, nossa amiga em comum. Fico esperando aparecer um rosto conhecido a qualquer momento. Começo a ficar tenso.

01:29

Há dois dias eu estava, pela primeira vez neste mais de um ano de fim de namoro, me questionando se fizera a coisa certa. Ela era tão companheira, tão verdadeira. Tão meiga, mulher com jeitinho de menina. E o sexo era tão bom…

Olho para o banco onde sentamos na noite em que completamos um mês de namoro. Ela desceu do ônibus e, me fez sentar ali antes de pegarmos o táxi para a casa. Eu levei um buquê de flores. Ela me entregou um porta retrato com duas fotos tiradas no nosso primeiro fim de semana juntos. No verso de cada uma, declarações muito singelas. Poucas vezes me senti tão amado.

Será que eu ainda sinto alguma coisa por ela? Por que esse sentimento demorou tanto para aparecer?

Calma! Não é nada disso. Isso é carência. É nostalgia…é só pensar em outra coisa. Não faz o menor sentido ela vir pra cá numa quarta feira de noite! E eu falei com a aquela nossa amiga em comum ontem e ela não disse nada sobre receber visitas. É loucura!

01:01

O sistema de som da rodoviária toca um disco inteiro do Abba. Deve ser esses Greatest Hits da vida. Não que eu não goste. Acho bonitinho. Mas prefiro a evolução deles: os Cardigans. É tipo o Big Star e o Teenage Fanclub…

Enfim.

A primeira vez que fui com ela ao teatro, foi para ver a montagem nacional de Mamma Mia!, o musical com as canções de quem? Exatamente! Abba!

Fico imaginando qual vai ser a minha reação ao vê-la descendo do ônibus. Qual vai ser a reação dela.

 – Não acredito! Você por aqui!? – Que puta clichê!

 – É. Encontrei sua mãe na rodoviária. Coincidência, né? – Ela fala e me olha meio seca, receosa, esperando meu próximo passo.

 – É…eu…Putz. Que loucura, né? – Eu gaguejo. – É engraçado. Esses dias, andei pensando bastante em você… – Ela tenta disfarçar um sorriso. Sem sucesso. O sorriso é nítido.

 – Que legal. Bom, Devem estar me esperando no carro lá na frente.

 – Ah, sim. Lá na frente. Claro!

 – Então…

 – Acho que a gente podia tomar um café, colocar a conversa em dia…

 Fico imaginando esse diálogo. Quase consigo ver a velha mala roxa dela aos seus pés. O casaquinho preto da Zara no braço. Imagino aquele olharzinho de desaprovação, que ela fazia quando não gostava da camiseta que eu estava usando, ao ver minha nova tatuagem no braço direito.

E eu até sinto saudade daquele olharzinho de reprovação.

00:53

Se eu não tivesse parado de fumar há seis meses, já teria fumado meio maço. Que porra de atraso desse ônibus! Já era pra estar chegando e acabar com essa agonia. Ela está naquele ônibus ou não está?

Vamos pensar racionalmente. Ela não está no ônibus. Minha mãe teria me dito. Não é do feitio dela esses joguinhos. Se elas tivessem se encontrado no ônibus, ela me diria.

Enquanto penso nisso, vou até a frente da rodoviária e procuro algum carro conhecido.

Só pra garantir, né?

Deve faltar uns quinze, vinte minutos para o ônibus chegar. Será que ela já estaria aqui a essa hora. Ela dá umas atrasadinhas às vezes.

Bom. Vamos pensar em outra coisa. Volto para dentro da rodoviária e me sento. Nada melhor para esvaziar a cabeça que o bom e velho Angry Birds no celular.

Jogo uma porção de partidas até que empaco em uma e acabo desistindo.

Teve um fim de ano que fizemos uma viagem de navio, desses que tem cassino e tal. Lembro que tinha lá no meio dos caça-níqueis e roletas uma dessas máquinas com uma garra e várias pelúcias dentro, para você tentar pegar uma.

Gastei uma grana ali tentando pegar para ela, uma pelúcia do pássaro amarelo do Angry Birds. Falhei miseravelmente, mas ela não ligou. Ela sabia ser parceira.

E o Abba não para. É Dancin’ Queen na cabeça!

00:31

Fico imaginando se minha mãe e ela conversaram durante a viagem. Será que minha mãe contou que eu parei de fumar, dei uma emagrecida… Que estou mais sério, mais responsável… sabe, tentando fazer com que eu pareça um cara melhor do que eu era?

Mas ela gostava de mim daquele jeito. Claro que, por causa dela, eu passei a beber bem menos e tentei parar de fumar por um tempão. Mas nós bebíamos juntos e curtíamos muito. Em um aniversário dela, tomamos várias tequilas e fomos pra casa bem bêbados. Foi uma noite ótima.

Será que minha mãe falou dos meus excessos depois do fim do namoro? Das razões que me fizeram parar de fumar?

Será que eu confundi falta de amor com necessidade de um pouco de liberdade? Será que eu terminei porque estava me sentindo oprimido, e isso fez com que eu achasse que o amor acabara?

Putz! Será…?

Mas não é justo! Se fosse isso, esse grilo teria pintado bem antes.

Porra, já faz mais de um ano!

00:17

Que ônibus mais demorado é esse?! Já é quase uma da manhã. Volto a caminhar. Ando até a plataforma onde o ônibus costuma parar. Separando o acesso à plataforma de embarque, tem uma cerquinha na altura do peito. Me encosto ali e me lembro das despedidas.

Beijos apaixonados, aquela cerquinha entre eu e ela, olhares apaixonados entre nós e juras de “Já estou com saudades!” Aí ela entrava e eu ficava ali apoiado vendo ela embarcar, a porta se fechar e o ônibus sair.

Também me lembro de uma foto que tirei antes de eu embarcar para ir passar o fim de semana com ela. Apoiado naquela cerquinha, tirei uma selfie segurando a água e o livro dos Beatles que ela me deu de presente e eu estava lendo, e escrevi algo do tipo: “Pegando a estrada para ver meu amor.” ou algo do gênero. Ainda deve estar lá no meu Instagram.

00:09

E se ela, ao sair do ônibus, me ver e começar a chorar?

Será que eu vou conseguir falar com ela? Dizer que estive pensando nela e que gostaria de conversar?

00:06

Não sei. Acho que ela ficaria cética ao me ver. Me trataria com frieza.

E eu perguntaria para ela se eu poderia abraça-la. Ela faria um sinal afirmativo com indiferença.

Eu diria que estou com saudade e adoraria conversar.

E ela me diria “Ok. Tanto faz. Vamos ver”. E correria para abraçar alguém que chegaria logo atrás de mim.

Eu não sei como eu reagiria.

00:04

Eu não sei o que eu sinto por ela.

Ainda sinto?

00:03

É carência. Só pode ser!

00:02

É ele. O ônibus chegou!

Está entrando na rodoviária!

Será que ela está lá dentro?

00:01

O ônibus para na plataforma e a porta, lentamente, começa a se abrir.

00:00

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