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A VOZ DE OLIVETTO, DIRETO DE WASHINGTON.

Texto publicado em abril de 2022 em minhas redes sociais.

Me marcou muito o discurso que Dave Grohl fez na abertura do festival South by Southwest em 2013, e que está disponível completinho e legendado no Youtube. Neste discurso, Grohl narra sua trajetória na música, contando suas experiências e demarcando algumas impressões que, na verdade, são conceitos que ele diz seguir em sua vida, e acaba recomendando a todos. Basicamente são dois os conceitos principais que ele explica no discurso: O primeiro é que todo mundo tem a sua própria e única voz, que é a maneira como você vai se comunicar da maneira mais eficiente e pura. Jimi Hendrix encontrou sua voz na guitarra, Van Gogh encontrou sua voz na pintura, enfim, você entendeu a ideia. O segundo conceito é mais voltado para o mundo da música, mas pode ser adaptado para tudo. Ele diz que quem toca, canta…enfim, se expressa através da música, deve sempre lembrar que o músico vem em primeiro lugar. Ou seja, sempre respeitar o seu ofício, a sua arte, a sua música antes de qualquer coisa. Antes de pensar na grana, antes de pensar na gravação do disco, antes de pensar no show… sempre ser fiel e verdadeiro à música, que é o que faz alguém ser realmente um músico. É um discurso incrível, que eu recomendo que todo mundo assista, é super leve e divertido, mas faz a gente pensar muito.

Mas eu não estou aqui para te falar sobre o Dave Grohl. Estou aqui para te falar sobre o livro que eu acabei de ler. E, ao longo deste texto, você vai entender porque eu comecei falando sobre esse discurso do Dave Grohl. O livro em questão é Direto de Washington, escrito pelo publicitário Washington Olivetto e lançado pela editora Sextante em 2018. É um livro que me arrebatou por vários motivos. O primeiro, e mais curioso, é que eu vinha de uma experiência muito ruim, que inclusive transformei em texto. No começo do ano comecei a ler um livro que não me agradou, mas eu fiquei um tempo insistindo, pois, sinceramente, nunca antes na minha vida eu tinha abandonado um livro no meio, sem acabar de ler. Mas como tem a primeira vez para tudo, essa foi a minha. Afinal, em coisa de um mês, eu tinha lido somente 90 páginas do tal livro. É muito pouco. Sinal que a leitura estava sofrida mesmo. Quando desisti e comecei a ler este Direto de Washington, foi uma loucura. A primeira página já me encantou e eu li o livro todo em praticamente duas semanas e meia.

Pra começar, vale dizer que não se trata de uma autobiografia. Se você tiver interesse em conhecer a história toda do Washington Olivetto, recomendo muito o ótimo livro Na Toca dos Leões, esta sim uma biografia do Olivetto, escrito pelo Fernando Morais. Já este Direto de Washington é um livro de memórias. Nele Olivetto relembra momentos marcantes de sua vida, muitos deles ligados às campanhas e anúncios publicitários brilhantes que ele criou. Inclusive os capítulos e memórias não seguem uma ordem cronológica, o que torna o livro ainda mais saboroso, porque parece que você está num bate papo e ele vai lembrando das histórias e contando. Então ele começa falando de um trabalho que fez na WMcCann Brasil em 2009 e emenda com uma outra história que aconteceu no fim dos anos 70, quando trabalhava na DPZ&T. Como brilhante redator que é, o texto do Olivetto tem uma fluidez e sabor impressionantes. É uma delícia de se ler. É claro que é um livro que vai encantar muito mais quem trabalha, se interessa e vive no meio da comunicação, em especial da publicidade. Mas a beleza deste livro é que ele vai agradar todo mundo!

Ok, todo mundo é exagero. Mas uma coisa eu tenho certeza. Quem for brasileiro e tiver mais de 35 anos vai gostar do livro. Porque as histórias que vão sendo contadas estão relacionadas a campanhas e anúncios que extrapolaram o mundo da publicidade para se tornarem itens da cultura pop. O primeiro Sutiã, da Valisére, o Garoto Bom Bril, os gordinhos do DDD, o casal Unibanco… sem falar no comercial que praticamente rebatizou uma raça de cachorro, afinal até hoje ainda tem gente que chama os Dachshund de cachorrinhos Cofap. Essas e outras propagandas viraram assunto de mesa de bar quando foram lançadas, todo mundo tem uma lembrança legal relacionadas a alguma delas. E conhecer como foi a criação de tudo isso, entender esse mundo por trás das câmeras dos anúncios de TV é muito interessante. E o mais importante, é possível sentir a cada palavra lida uma enxurrada de sentimentos. Dá pra sacar que o Olivetto realmente ama, se orgulha e acredita imensamente em tudo que ele fez profissionalmente. E acho que foi nesse aspecto que o livro mais me impactou.

Eu nunca tive certeza de nada. Em especial na minha vida profissional. Eu nunca tive aquela certeza de saber o que eu ia ser quando crescesse. Eu sempre gostei de uma porção de coisas, mas nada que despertasse em mim esse sentimento que impulsiona a pessoa a seguir determinado caminho. Eu sempre amei tocar e fazer parte de uma banda, mas sinceramente nunca enxerguei a possibilidade de ser um músico profissional. Eu sempre gostei de escrever, de ler e sempre fui curioso. Mas o fator determinante para eu escolher cursar a faculdade de jornalismo foi que era o único curso de graduação que eu encontrei que não tinha nenhuma matéria relacionada a matemática. Depois cursei publicidade, cheguei a trabalhar como publicitário um tempo. Mas nunca tive o ímpeto de me especializar e talvez até mudar de cidade para conseguir um emprego melhor. Até pouco tempo atrás eu ainda não tinha essa certeza, essa paixão. Até que eu comecei a escrever com muita frequência e fui percebendo que eu realmente sou muito bom fazendo isso. Mais ainda, que eu me sinto muito bem, me divirto, me sinto livre escrevendo. E eu entendi que eu realmente amo escrever e quero viver para isso. E viver para isso inclui, obviamente, ter um retorno financeiro. Mas isso já é outro papo. Voltemos ao livro.

Em vários momentos do livro, Washington Olivetto reafirma o quanto é privilegiado por ter descoberto ainda muito jovem que sua verdadeira vocação era criar frases e conceitos para vender produtos e serviços, e o quanto isso sempre o fez tão realizado não só profissionalmente, mas também como pessoa. E não se trata aqui do discurso falso, injusto e mercantilista de que quem trabalha fazendo o que gosta nunca vai se cansar de trabalhar e tal, numa justificativa vazia para que as pessoas trabalhem além do necessário. Algo muito comum na publicidade, inclusive. Já vi muito publicitário dando palestra e falando com orgulho, em tom heroico, que a equipe ficou na agência até de madrugada, comendo pizza, pra entregar uma campanha. No livro, o próprio Olivetto diz que sempre insistiu para que todo mundo saísse da agência seis da tarde, afinal, o publicitário precisa ver filmes, conversar, ler, assistir televisão, ouvir música, enfim, viver, para ser criativo. Mas estamos desviando de novo do ponto. O que eu quero dizer é que o livro tem esse frescor de quem está se divertindo escrevendo, relembrando e contando aquelas histórias. E é isso que faz dele um livro tão bom, capaz de agradar qualquer pessoa, e não só quem se interessa ou trabalha com comunicação.

Eu já disse alguns parágrafos acima que a primeira página do livro me encantou. Isso porque Olivetto abre o livro dando uma definição tão simples e, ao mesmo tempo, tão certeira do que é a publicidade, que me abriu automaticamente um sorriso no rosto. E quando eu cheguei na última página do livro, o último parágrafo me atingiu em cheio mais uma vez. Porque diz exatamente o que eu sinto atualmente. Vou reproduzir aqui como o Washington Olivetto encerra este livro. Não se preocupe, que isso não atrapalha em nada quem quiser ler o livro todo. Neste momento, em que eu tenho certeza de que encontrei a minha voz através da escrita e tenho consciência que o escritor vem em primeiro lugar, pegando aqueles conceitinhos do Dave Grohl que citei no começo, faço minhas as palavras do Washington Olivetto ao encerrar o excelente livro Direto de Washington: “Neste texto contei e comentei a minha paixão pela leitura e pela escrita. Agora só falta dizer que desejo que você, que me leu até agora, viva mais 100 anos. E que a sua última leitura na vida seja algo que eu tenha acabado de escrever.”.

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